sábado, 2 de outubro de 2010

Arte(s) e Santinhos

É um pouco difícil explicar o que me atrai quando se trata de arte, falo neste caso de pintura/desenho. Reconheço que como grande parte dos outros sentidos, paladar, olfacto, audição, a sensação de familiaridade é um aspecto importante da sensação de prazer. Neste caso o reconhecimento de certo tipo de formas, cores, composição pode fazer-nos sentirmos mais agrado a certo tipo de obras.

Por outro lado há certas obras que fogem completamente do padrão normal e é essa estranheza, esse encontro inesperado com um novo paradigma que nos fascina e nos atrai.

A discussão, ou a dicotomia de reconhecer a obra como conceito ou como execução é interessante, mas pouco acrescenta à razão porque gostamos de determinada obra, ou de determinado pintor e não gostamos de outro.

Pessoalmente sinto-me um pouco condicionado pela exposição que fui tendo pelos meus pais, e tendo a ser agradado por determinado tipo de obras com as quais cresci, em geral aguarelas, muito coloridas, com muitos elementos, do tipo de obra que cada vez que olhamos descobrimos algo diferente, e, que no conjunto parecem contar uma história, que vamos desvendando e construindo nós próprios.

Vou fazendo os possíveis por cultivar um gosto próprio, expondo-me o máximo possível a obras de todos géneros. Vou procurando estudar sobre história da arte assim vou-me reinventando neste aspecto do meu ser.

Tudo isto porque há pouco tempo conheci o Santinho, um jovem pintor a quem encomendei uma representação da minha família, que podem ver na imagem deste post. Foi uma amiga que me falou dele e gostei imediatamente do seu estilo e da sua obra. Gostei mais ainda da sua simplicidade e simpatia.

Esta simplicidade do artista fez-me recordar uma outra história, de uma obra de um artista moçambicano famoso, que adquiri num leilão de caridade, e, que fui forçado a devolver porque o artista ficou indignado por alguém ter adquirido a obra dele por um valor, que ele acho escandalosamente baixo. Espero que a fama não tranforme a simplicidade do santinho em arrogância...a ver vamos.

O meu apreço pela obra em si parece uma evolução em termos de gosto, como vêem é uma obra a tinta-da-china, mas é rica em elementos e parece contar uma história.

Tenho certeza que dentro em breve será um nome na praça, para quem quiser aproveitar o relativo anonimato, procure por ele no núcleo de arte.

Um beijo para o vazio …

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Relacionamentos ...

Não pretendo aqui dar nenhuma dar conselhos a ninguém sobre relacionamentos, este é um assunto que é muito fácil de teorizar, todos sabem exactamente o que fazer, mas, no fim cada relação estabelecesse com regras próprias que não se definem no inicio, são descobertas ao longo do tempo.

Para mim, a relação deve ser necessariamente um caminho em busca de estabilidade, a relação tem que ser vista como a base, ou, uma das bases, que nos permitem individualmente crescer na nossa esfera pessoal e profissional, se tal não acontece entramos numa relação que acaba por ser um entrave ao nosso desenvolvimento e realização pessoais, e, essa é uma relação destinada a, mais tarde ou mais cedo, fracassar.

Olhando em volta, para os amigos com relacionamentos estáveis e duradoiros encontro uma diversidade incrível, desde casais que vivem juntos há 10 anos sem que precisem de casamentos ou anéis para afirmar o seu amor e o seu compromisso, a casais que se casaram, quase, no dia seguinte a conhecerem-se, casais que decidiram viver fisicamente em casas separadas, casais que vivem relacionamentos abertos, ou mesmo que partilham parceiros sexuais ocasionais. Casais com os mesmos gostos e casais completamente opostos.

Um relacionamento é, obviamente, marcado por concessões de parte a parte, há coisas que pensamos ser importantes para nós, mas que, vamos percebendo que temos de abdicar, da mesma forma, há princípios que são essenciais à nossa identidade e dos quais não abdicamos, invariavelmente nas relações vão existir pontos de conflito, momentos em que visões antagónicas entram em conflito, e, ou surge uma nova visão partilhada do assunto, ou uma das partes cede. Neste assunto, se a relação se estabelece de forma a que uma das partes tem ascendente sobre a outra, as cedências serão sempre da parte mais fraca, mas, esse é um caminho para uma ruptura inevitável.

Ouvi na rádio há alguns meses uma visão interessante sobre o envolvimento emocional dentro de um relacionamento, um psicólogo argumentava que num relacionamento é impossível que as pessoas estejam envolvidas (“apaixonadas”) com a mesma forma, a mesma intensidade e uniformemente todo o tempo, e, se considerarmos um relacionamento longo, serão raros os momentos em que os dois indivíduos estão no relacionamento com a mesma intensidade, segundo ele, o segredo para um relacionamento duradoiro é saber gerir estas diferenças de intensidade nos sentimentos, e saber aproveitar os momentos em que a relação é vivida pelos dois com a mesma intensidade.

Um erro comum é, nos momentos que sentimos que o parceiro está mais afastado, estar a pressionar há procura de algo que, a outra parte não está disponível para dar, há que saber dar o espaço e enquadrar estes momentos como parte integrante do relacionamento.

São lugares comuns, mas não deixam de ser verdadeiros, parece-me que honestidade, diálogo, um projecto de vida, confiança, companheirismo e amor são indispensáveis na construção de um relacionamento estável e duradouro.

Não me parece ter dito aqui nada de novo, mas, por vezes precisamos de falar apenas para podermos ouvir.

Um beijo para o vazio ...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Amo-te Lisbeth Salander

Apaixonei-me por Lisbeth Salander e não sei o que fazer.

Recordo a primeira vez que te vi, jovem, franzina, rebelde, fria, distante, simplesmente dura.

Tudo visual gritando “afastem-se de mim!”,  mas já nessa altura descobri algo que brilhava no teu olhar, e, clamava por calor humano, e logo aí, nasceu em mim uma vontade incontornavel de te conhecer, de saber mais sobre ti.

Foi preciso estômago para aguentar o primeiro impacto e a vontade de virar costas e dar o fora, mas, aos poucos fui-te conhecendo.

Fiquei a saber da tua vida sofrida, de como foste privada de uma infância normal, como nunca tiveste um amparo, um colo, um ombro amigo, como apesar de uma vida cheia de revezes foste sempre capaz de dar a volta por cima.

Foram semanas de convívio quase diário, semanas em que pouco a pouco fui desvendando os teus segredos mais íntimos, que pouco a pouco fui descobrindo a tua fúria de viver, a teu desapego pelas convenções e pelas amarras com que a sociedade nos prende.

Nunca conheci ninguém com uma liberdade tão completa, recusa todos e quaisquer rótulos e age de acordo com a sua própria moral e convicção. És a pessoa mais real que alguma vez encontrei.

Agora que fecho a última página do livro que te trouxe a mim fico sem saber o que fazer, perdido na mágoa de perder os nossos encontros quase diários, de perder a descoberta de ti, e consequentemente a descoberta de mim em ti.

Quem me dera ser um pouco como tu, ter a clareza da vista desimpedida e abraçar a vida com a tua paixão.

Mal posso esperar pelo teu regresso no segundo livro da trilogia Millennium de Stieg Larsson em “A Rapariga que Sonhava com Uma Lata de Gasolina e um fósforo”

Um beijo para o vazio ...

domingo, 12 de setembro de 2010

Chuteiras Amarelas

A palavra fobia significa um medo irracional (“do Grego φόβος "medo" , em linguagem comum, é o temor ou aversão exagerada ante situações, objectos, animais ou lugares”, in wikipedia.com).

O primeiro sinal de Homofobia Enrustida que tenho memória veio do lugar mais inesperado e apanhou-me de surpresa.

Vi, o pai de uma criança de 9 ou 10 anos a entrar completamente em pânico porque o filho acabava de comprar uma chuteiras amarelas. A reacção foi completamente disparatada, o miúdo escolhera as chuteiras porque o seu ídolo (Fabrizio Miccoli), na altura a jogar no Benfica usava uma chuteiras amarelas.

O argumento era que o miúdo seria motivo de chacota na escola se lá aparece-se com uma chuteiras daquela cor, e, para salvar a dignidade da criança, esta foi obrigada a ir à loja trocar as chuteiras.

Quando saí do armário, esta foi uma das pessoas que me deu o seu apoio e a sua compreensão, o que me terá dado na altura uma sensação de conforto e segurança.

Todo apoio acabou no momento em que a pessoa viu-se confrontado com imagens na internet minhas e do meu parceiro, para ser sincero, é preciso muita atenção para encontrar afectividade nestas imagens, que para quem não esteja no contexto bem poderiam ser imagens de dois amigos em férias (ex. imagem seguinte).

A reacção foi, à semelhança da primeira extemporânea e irracional. Um medo irracional desencadeado por imagens de homo-afectividade, um medo irracional que o filho seja exposto a estas imagens e que isto possa influenciar o seu crescimento, um medo irracional que desencadeou um discurso e uma postura irracional, ao ponto desta pessoa se dispor a testemunhar contra mim em tribunal para salvar a minha filha da exposição a esta ignominia.

O mais engraçado e o discurso que não é por ele, ele não tem qualquer problema, mas que é pelas outras pessoas, que a sociedade é homofóbica e que não vai ver com bons olhos as fotos.

Mas a formação humanista, as suas referências sociais impedem esta pessoa de assumir esta sua discriminação abertamente pelo que não consegue sequer aperceber-se da sua homofobia, é fácil traçar um paralelo com a pessoa que diz “Eu não sou racista mas não quero que a minha filha namore com pretos.”, neste caso “Não tenho nada contra gays desde que estes fiquem no armário.”.

Esta é uma forma de discriminação complicada de combater, este “Homofóbico de armário” não consegue sequer admitir o seu preconceito pelo que não o vai conseguir ultrapassar.

Lembro que a homossexualidade não é uma doença, a homofobia, essa sim é considerada doença do foro psicológico, e a capacidade de a superar um sinal de saúde mental.

Um beijo para o vazio ...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Família, muito, pouco ou nada (Revisto)

Por ser demasiado pessoal e emotivo este Post está um pouco difícil de sair. Não sei se será apenas na minha família, mas há assuntos que são vividos com uma tal emotividade que, aos poucos vão rompendo os laços afectivos até que se perdem irreparavelmente. Parece-me a mim disto acontece porque os problemas não são encarados com frontalidade.

É engraçada a diferença de abordagens na resolução de problemas, numa família tradicional moçambicana, e numa família “ocidentalizada”. Numa família tradicional moçambicana os problemas raramente chegam a situações de ruptura, a falta de respeito continuada, as humilhações constantes a um familiar mais velho, por exemplo, teriam sido resolvidas atempadamente com uma sova de um familiar mais próximo, ou com a reunião de um conselho familiar alargado.

Eu não sou apologista da violência, e nem da humilhação pública, prezo o meu meio familiar directo e espero que os problemas se resolvam por lá mesmo, mas, por muito brutal que possa parecer, admiro a frontalidade destes métodos de resolução de conflitos e parecem-me muito melhores do que este “civismo”, ocidentalizado, cheio de desculpas nos “traumas” e nas vicissitudes da vida, que servem para justificar qualquer comportamento. Entra-se num ciclo de cinismo, hipocrisia e falatório pelas costas que vai prolongando um longo e gradual sofrimento.

Mas, a construção do conceito de família, é algo interessante e que vive um momento particularmente dinâmico, as sociedades tendem a tornar-se mais individualistas e as famílias a centrarem-se mais e mais no nuclear (pai, mãe e filhos se existirem), mas mesmo este modelo tem necessariamente de ser contestado, há casais gays (como o meu), casais lésbicos, casais heterossexuais que não querem ou não podem ter filhos. Os avós, os primos, sobrinhos, tios, ficam cada vez mais afastados do conceito central de família, em muitos casos acabamos sentindo-nos mais próximos de amigos que da própria família.

Eu mais e mais me convenço que as pessoas valem pelo que são, e, que o facto de partilharmos um vinculo de sangue não nos obriga a usar uma venda quando analisamos o carácter e o comportamento dos outros.

No meu caso os meus amigos tem sido a minha família alargada e a eles devo muito respeito e consideração.

Um beijo para o vazio ...

Fidel ... em contrição

Quer se goste ou não, é inegável a influencia que Fidel Castro teve no moldar da dinâmica geo-politica dos nossos dias.

Para uns é tido como um herói revolucionário que instituiu o sistema com a distribuição de riqueza mais igualitária de sempre. A sua política de saúde e educação para todos é um caso de estudo e um exemplo, que , quer-me parecer terá inspirado o Obama na sua reforma da saúde nos EUA.

Para outros é um déspota, um ditador, que lançou a miséria sobre o seu povo, alguém que soube jogar baixo para ganhar o poder e uma vez conseguido fez de tudo para lá se manter.

A verdade, como em tudo, deverá estar algures no meio, é inegável, no meu ver, que há muito a sua política do orgulhosamente só, e muita teimosia, tem feito mais mal que bem ao seu povo, e tem desgastado muito a sua imagem, mesmo junto do mais revolucionário de nós.

Há um ano atrás era para todos um dado adquirido que Fidel já teria ido desta para “melhor” ou “pior” (não acredito que haja um católico que lhe conceda um lugar no céu), eis que “el Comandante” surge regressado ao reino dos vivos.

Tendo ganho a sua batalha mais recente pela vida, e conseguido mais uns anos entre nós, não creio que muitos, Fidel resolveu abdicar da sua postura dura e inflexível e fazer contrição de alguns dos seus actos.

Esta manha ouvi no noticiário a seguinte e inesperada declaração de Fidel:

"O modelo cubano não nos serve nem para nós", disse o ex-presidente de Cuba, em entrevista à revista americana "The Atlantic".

A primeira declaração de contrição foi feita a semana passada sobre a perseguição de que foram alvo os homossexuais no período pós revolução.

“Soy el responsable de la persecución a homosexuales que hubo en Cuba”

Mesmo assim com aquela ressalva hipócrita de que foram perseguidos mas ele não tem preconceito, estava era muito ocupado com coisas mais importantes, onde já ouvi esta conversa...

"Sim, foram momentos de grande injustiça, uma grande injustiça! Fomos nós que fizemos, fomos nós... Estou tentando diminuir minha responsabilidade em tudo isso, porque, pessoalmente, eu não tenho esse tipo de preconceito"

Mesmo assim é muito relevante que uma figura deste gabarito tenha achado necessidade de se desculpar à comunidade Gay e Lésbica.

Ainda vamos ouvir a Igreja Católica fazer declarações semelhantes, afina “as madres” só em 1983, mais de 300 anos após a sua morte, reconheceram que se enganaram em condenar Galileu como herege por ter defendido que a terra não era o centro do universo, temos de lhes dar tempo elas são um pouco lerdas.

Um beijo para o vazio ...

domingo, 5 de setembro de 2010

Contra-informação

Na última sexta e no sábado recebi no meu telemóvel 3 mensagens que fazem de certeza parte de uma campanha de “contra-informação” do governo.

As mensagens:

Caros, Nada melhor do que a calma e tranquilidade publica para avançarmos e realizarmos as nossas actividades. Viva a paz e tranquilidade. Passe a palavra.” Às 14:10 do dia 03-09 do número 820655644

Tudo que o pais precisa eh licao de civismo e espírito patriótico. Não queremos greve. Queremos trabalhar e levar o pão as nossas famílias. Passa a palavra.” Às 14:10 do dia 03-09 do número 820655646

Moçambique siga em frente. Forcas contrarias ao trabalho e progresso não empidirao nunca que continuemos firmes rumo ao desenvolvimento. Passe a palavra.” Às 22:26 do dia 03-09 do número 82065564

Moçambique, Mambas sigam em frente. Vamos chutar para fora a violência e o vandalismo. Precisamos de união para vencer este jogo” Às 18:50 do dia 04-09 do número 82488676

As mensagens foram enviadas por números que não faziam parte dos meus contactos, números diferentes, mas muito parecidos, que variavam apenas na terminação, mais estranho é que alguns dos números usados eram incompletos uma vez que tinham um dígito a menos.

A própria formatação da mensagem é muito semelhante e o conteúdo a apelar à calma e ao trabalho.

Já sabemos que a posição oficial é que os moçambicanos são preguiçosos e sem iniciativa e por isso é que são pobres, mas não é disso que quero falar aqui.

Este método de operar remete-me para as campanhas usadas na segunda guerra mundial, onde aviões espalhavam panfletos sobre as zonas inimigas passando as suas mensagens e a sua ideologia, na tentativa de recolher simpatias. Tácticas semelhantes foram usadas largamente na guerra do Iraque.

Aqui não é muito diferente, nós somos o inimigo do governo, ele procura furar as trincheiras com mensagens, mas aqui de uma forma simulada fazendo-se se passar por cidadão, inventando a existência de uma corrente de cidadãos que se opõe à greve.

Mais grave é que de novo o governo não olha a meios para invadir o espaço privado de todos nós. Eu não dei a minha permissão para que o meu número de celular, provado, fosse usado para este fim e gostava de ver perguntas respondidas nesse sentido.

Há uma óbvia conivência da minha operadora nesta situação, a operadora (mCel) é uma empresa pública mas será que isso lhe dá alguma legitimidade para fazer o trabalho sujo do governo? Se é esta a postura da operadora, parece-me que esteja na hora de mudar.

Num país com uma democracia mais madura toda estas “borradas” do governo e dos seus tentáculos não sairiam impunes, haveria consequências políticas e cabeças haveriam de rolar.

Um beijo para o vazio …

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Canudo o quanto vales ...

"Vês? este é o pauzinho de amolgar consciências"
(pelo menos era assim a tradução que me lembro)
Maputo acorda calma a recompor-se dos tumultos dos últimos dois dias.

Muito já se escreveu e muito ainda se vai escrever sobre o 1 de Setembro, há muitas lições a tirar, foi destapado o véu que encobria os problemas sociais numa imagem de desenvolvimento e tranquilidade.

Parece-me que a quem era mais importante aprender alguma coisa com o sucedido vive num estado de arrogância e convencimento que lhe torna impossível mudar, mais, está rodeado de um bando de inúteis, cujo papel é simplesmente anuir e aplaudir as ideias do seu “Líder Supremo”, “Pais da Nação” ou “Tio Patinhas” como começa a ser apelidado pelo povo.

Não me vou centrar na análise política, nem nas consequências sociais do problema, há excelentes análises feitas nos jornais e blogs de quem realmente percebe da matéria, mas achei um aspecto muito primário, aqui, um tanto ao quanto hiperbolado e simplista.

Durante dois dias a cidade de cimento viveu sitiada, não havia transportes e vivemos uma separação física entre duas classes sociais cujo fosso terá sido acima de qualquer outro motivo a razão de toda confusão.

Na cidade ficou a nossa “Nova Burguesia”, ficaram os Doutores, ficaram os engenheiros, os políticos, os programadores, os consultores, os coordenadores, os directores, juristas, economistas e outros -istas e -ores iguais. Com os seus méritos e laudos, mestrados e doutoramentos, com suas análises, pontos de vista, com seus salários gordos, com seus automóveis, a ver os acontecimentos sentados nas suas poltronas e nos seus LCD monstruosos.

Na periferia ficaram os padeiros, os cozinheiros, os empregados domésticos, os guardas, os estivadores, as vendedoras do bazar, os varredores de rua, os carpinteiros, os electricistas, os pedreiros, a classe social que vive com o salário mínimo e a quem vai realmente fazer diferença os 2,5 MT de aumento do pão, e o aumento da electricidade, água, arroz, etc.

A verdade é que a ausência destes últimos fez parar a cidade, afinal quem produz alguma coisa real , palpável está neste grupo. Qual a importância real de 20 linhas de código, de um relatório bem escrito, de uma lei bem redigida se não houver quem efectivamente produza alguma coisa real e que faça com que o dia a dia possa acontecer com naturalidade.

Se tivéssemos prolongado um pouco mais este cerco teríamos uma cidade cheia de Doutores famintos e sujos incapazes de tomar conta de si próprios. Não seria esta razão suficiente para percebermos que o fosso entre estas duas classes não pode ser tão grande assim, para entendermos que, se é inevitável o aumento do custo de vida, então este deve ser assumido pelos primeiros e desta forma ser feita alguma justiça social.

A revolta teve mérito, só foi mal conduzida, não vamos esperar pela próxima para resolver este problema.

Um beijo para o vazio ...

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Construir sonhos

Já me disseram que penso demais, de facto tenho a tendência para analisar demais as situações, as pessoas, para dar grande importância a pequenos gestos e por aí fora.

Nesta minha análise é frequente olhar para a minha vida e a avaliar pondo questões como onde estou?, o que sou? Quais são os meus objectivos?, quais os meus problemas?

Esta reflexão só faz sentido se for feita dentro de um contexto temporal, se os objectivos que tinha antes foram alcançados?, ou se estão mais perto de serem alcançados? Se resolvi os problemas que tinha identificado? Porque é que não foram resolvidos? Etc.

Neste contexto tenho de colocar todas as vertentes importantes da minha vida, família, amor, trabalho, saúde, objectivos materiais, emocionais, afectivos, estéticos...de tudo um pouco.

Hoje estou feliz por ver um objectivo perto de se materializar, um objectivo que era individual, mas que passou a ser um objectivo partilhado com o Danilo, a construção na nossa casa.

O objectivo não podia representar melhor a nossa comunhão, está cheio de ideias levantadas por um e depois construídas em conjunto, cheio de escolhas difíceis de materiais, tamanhos, cores, sei lá, tudo acabou sendo uma decisão conjunta e o resultado é um espelho da nossa relação.

Ver as paredes pintadinhas com o primário, branquinhas a realçarem as formas do mezanino e das janelas deu um friozinho na barriga. Mas a batalha continua, hoje escolhemos a pedra para os tampos da cozinha, estão a fazer a betonilha do chão, a passar cabos eléctricos, fixar os tiles nas casas de banho e na cozinha, colocar os perfis de alumínio, hufff, no entanto já da para ver a meta, lá na linha do horizonte, onde o sol vermelho de fim de tarde acaricia a terra fazendo-a exaltar-se em suspiros de amor ...

Construir sonhos, ou mais correctamente materializar sonhos mostra-nos que não andamos à deriva, que fizemos alguma coisa com o tempo que passou, que de alguma forma tomamos nas mãos o nosso destino.

Um beijo para o vazio ...

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Os limites do blogueiro

Ao divulgar este blogue deixei um post ao qual dei o titulo de "Familia, muito pouco ou nada ..." onde traçava algumas considerações sobre a minha irmã.

Não devia ter feito, era algo pessoal de mais e que deveria ter sido tratado dentro da propria familia, quero deixar aqui as minhas desculpas às pessoas que se sentiram ofendidas como o post e fica para mim a lição de perceber onde traçar os limites daquilo que devo ou não publicar.

No mesmo post falava sobre a diferença entre a forma tradicional de resolver os conflitos familiares e a forma ocidentalizada. Não sou apologista da violencia, não usaria dela para resolver problemas, a minha admiração foi para a frontalidade como os problemas são resolvidos e como por causa disso, pequenos problemas, pequenos mal entendidos não crescem para se tornarem grandes problemas.

No fundo o post não passava de uma auto-critica, sobre não ter tido a coragem de ter abordado a situação familiar com frontalidade (não com violência).

Um beijo para o vazio ...

White Nigga

“White Nigga”, “o branco mais preto que conheço”, são alguns dos termos que os meus amigos usam para expressar a minha aceitação/inclusão no seu grupo.

Ontem ouvi uma expressão do género ser direccionada à minha sobrinha “És a branca menos branca que conhecemos”. Lembro-me de outros amigos, de outras idades e em diferentes meios sociais receberem semelhantes “elogios”.
 
Em geral entendo a afirmação com alguma vaidade, significa acima de tudo uma forma carinhosa de mostrar empatia comigo “apesar” da minha cor, mas porquê esta necessidade de negar a cor da minha pele para afirmar a minha aceitação no grupo?

A explicação mais viável é que quem as profere encontra na minha postura algo que contradiz a atitude do estereótipo do branco. O branco, especificamente o Luso-descendente, é visto como sendo racista, arrogante, malcriado e vive num círculo fechado de amizades não se dando a conhecer fora do seu meio.

Não consigo perceber de onde vem esta imagem, os estereótipos valem o que vale, se por um lado permitem fazer alguma critica social por outro tendem a generalizar coisas que não são passivas de generalização, não percebo como alguém que tenha crescido no mesmo contexto histórico e social que eu tenha o comportamento que se atribui aos Luso-descendentes.

A casa onde cresci nunca foi elitista ou preconceituosa, sempre vivi rodeado de vizinhos e amigos de todas raças, credos e posses, como todos que vivemos os anos 80 em Moçambique, quando faltava açúcar íamos com um chávena de chá pedir ao vizinho e ninguém se preocupava se o vizinho era branco, preto, mulato, china ou indiano.

Alguém levantou a possibilidade que o elitismo tenha começado com os “brancos” que regressaram depois da guerra dos 16 anos e não viveram a comunhão nacional moçambicana dos anos 80.

Não tenho orgulho na cor da minha pele, mas também não tenho vergonha, da mesma forma como não tenho orgulho ou vergonha da minha orientação sexual, ou do facto de ser destro, são características minhas que não me definem como pessoa.

Sinto acima de tudo, que uma das coisas que mudaram para pior neste tempo pós Samora fui uma súbita consciência de raça, de etnia e de nível social, os jovens agrupam-se desta forma e daí resulta um “racismo” e um reforçar dos estereótipos de raça.

Saudades do papá Samora.

Um beijo para o vazio ...

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Identidade e Estereótipo

Era uma vez um jovem, robusto, na flor da sua juventude, com ou sem planos de futuro. Caminhava despreocupado numa das ruas da nossa capital. A certa altura um veiculo para ao seu lado e um@ ti@ mete conversa com o jovem. A conversa é curta, o suficiente para marcar um copo ao fim da tarde e trocar números de cel.

O primeiro encontro ocorre bem banal, o jovem sem grandes meios financeiros aproveita o interesse d@ ti@ e bebe umas cervejas à borla. Seguem-se uns quantos encontros idênticos, parte do processo de “domagem” d@ ti@. Aos poucos os dois vão ficando mais à vontade, e vai ficando mais fácil chegar ao objectivo da primeira abordagem.

Num dos encontros , no meios de muita cerveja, o jovem chora da sua falta de meios e @ ti@ aproveita a deixa para lançar o seu anzol, muito bondoz@ como só el@s sabem ser, estava dispost@ a aliviar o seu protegido das suas dificuldades financeiras, a troco de um pequenino favor sexual.

O primeiro impacto da proposta deixa o jovem um pouco abalado, não lhe passara pela cabeça tal coisa, ou talvez tivesse passado, mas um abismo separava a possibilidade e a realidade da proposta. Dado o vínculo de intimidade já estabelecido entre eles e a possibilidade do dinheiro “fácil”, faz o jovem aceitar a proposta.

Consumada a primeira transacção num escondidinho qualquer, sai o jovem com o seu taco na mão e @ ti@, meio decepcionad@ com a falta de jeito da jovem, mas contente com a mais recente conquista.

As semanas passam e de tempos a tempos, ora devido à tesão d@ ti@, ora devido à falta de dinheiro do jovem vão ocorrendo outras transacções idênticas. @ ti@ vai desfilando aqui e ali com seu novo trofeu, e vai despertando a cobiça das amig@s da ti@. O jovem vai recebendo estabelecendo contacto com as amig@s da tia, e vai diversificado o seu lote de benemérit@s. Não tarda em internacionalizar-se e em conseguir um contrato de prazo mais alargado com direito a hospedagem e tudo. Mas como é comum, apesar de longo prazo o contrato acaba.

Volta o jovem ao contacto d@ ti@ original a disponibilizar os seus serviços e a pedir que o aconselhe @as amig@s, de preferência lhe encontre outro contrato internacional.

O jovem que no inicio teria os seus objectivos de vida, que se preocupasse ou não com o seu futuro ou a sua educação, torna-se em mais um membro da mais velha profissão do mundo...um prostituto, sem outro propósito que não encontrar o seu próximo cliente.

Esta história é comum a muitas cidades, esta história pode ser escrita mudando o género d@ ti@ ou do jovem, não é um problema exclusivo da comunidade gay, mas por vezes passa-se a ideia que na comunidade gay este cenário é inevitável, que quem tem posses, mas tarde ou mais cedo, tem de assumir o papel d@ ti@, e quem não tem posses deve assumir o papel do jovem.

Não passam de dois estereótipos que devemos combater, ninguém se deve conformar a papeis pré determinados, ser gay não define como a pessoa deve se comportar, como deve pensar, como deve-se vestir, o que deve comer ou beber, que musica deve ouvir. Ser gay não implica que se esteja preparado para discutir as últimas modas parisienses, ou adorar a última mala Gucci ou os últimos sapatos Prada. Não significa que se deve odiar o futebol e desdenhar quem prefere uma cerveja a um cocktais. Não significa que se deva idolatrar a Maddona e vibrar com os últimos acorde do Mika. Não significa que se deva estabelecer o sexo como a essência da vida e medir os outros pelo último bofe que conseguiram. Recuso-me a ter esta visão redutora da homossexualidade, a homossexualidade resume-se à atracção física, afectiva, emocional e/ou espiritual por alguém do mesmo sexo.

O carácter, os princípios morais, os gostos, os objectivos de vida, a personalidade não se definem com a orientação sexual, são questões individuais e formam-se com a própria pessoa, no seu processo de crescimento e maturidade. Não achem que se devam conformar aos estereótipos para se integrarem na comunidade, vivam de acordo com os vossos princípios e a vossa consciência, respeitem a diversidade, mas respeitem-se acima de tudo a vocês próprios e à vossa identidade, que é aquilo que vos torna únicos.

Um beijo para o vazio ...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Espiritualidade(s)

O dia a dia em Moçambique é marcado aqui e ali por sinais da presença de outras realidades que se alheiam à razão e aos parâmetros que marcam o nosso conceito do civilizado.
A presença dos antepassados, a procura de conseguir vantagens competitivas, amorosas, ou de saúde com um empurrão do além vive-se também nas mais modernas e ocidentalizadas empresas. Muitos vivem com o pavor de encontrar uma “almofadinha” na gaveta da secretária, ou com um punhado de sal à mão para afastar qualquer presença mais forte.

Quem em casa não queima um pouco de incenso quando se sente um pouco mais agitado? Qual a família que não vive com uma herança, em geral maldição, de um antepassado invejoso ou amargurado? Qual o político que se preze que não faça um “banho” ou um “bafo” antes de uma campanha?

Certo que muita coisa se explica com a predisposição do “alvo” para encontrar razões no sobrenatural, mas ficam sempre situações em áreas cinzentas que desafiam a convicção do maior céptico.

Sem julgamentos relato o último caso que me chegou ao conhecimento, sendo de alguém muito próximo merece o meu respeito e a minha solidariedade.

Um amigo desabafou comigo do desespero que tem vivido nos últimos dias, um dos seus familiares depois de muita luta conseguiu um emprego e preparava-se para iniciar a sua nova actividade, acontece que por algum processo inexplicável ficou imobilizado e sem conseguir sair de casa.

Mais tarde foi encontrada a explicação que a pessoa encarna com frequência um conjunto de antepassados, actos que tem atormentado desde criança, e que um dos grupos dos habitantes do seu espirito se rebelara contra o facto de não ter sido feito um pedido formal para que a pessoa pudesse aceitar este emprego.

Foram feitas as cerimónias recomendadas e apaziguados os espíritos revoltosos e finalmente a pessoa pode iniciar com a sua vida profissional.

Para se perceber o alcance destes fenómenos na sociedade, este meu amigo terá em desespero confessado a situação aos recursos humanos da empresa em causa, e, teve desta área a maior compreensão para o assunto, não se tratava de um caso isolado e foi tratado de acordo com a importância que teve.

Deixo à vossa reflexão o que se terá passado e o que significam estes casos, eu, vou vivendo de acordo com um ditado muito antigo que diz: “Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”.

Um beijo para o vazio ...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

"Antagonizando-me"

Emprego aqui o termo antagónico como referência a ser contra a corrente, contra uma maioria, contra o estabelecido.

Em algum momento da vida todos experimentamos esta sensação de fazer parte de uma minoria, seja pela cor da nossa pele, pelo nosso género, orientação sexual, etnia, posições políticas, opiniões, seja pelo que for, em algum momento temos de remar contra corrente.

Neste espaço vou explorar aquilo que me torna antagónico à sociedade em que me insiro, começando por questões básicas como a minha cor. Sou um Moçambicano Branco, para muitos a afirmação em si encera uma contradição, depois seguem-se a minha orientação sexual, o facto de assumir a minha orientação numa sociedade que prefere que estas questões fiquem no "Armário", dentro da própria comunidade opto por renegar um chamado "estilo de vida Gay" e viver a minha vida segundo os meus parâmetros de valores.

Mesmo em relação à sociedade regra geral identifico-me com os princípios, valores e opiniões que fogem do que nos é imposto pela maioria, acho que para criar-mos valor e formarmos opinião temos de nos permitir uma visão alargada sobre os mais diversos aspectos da vida.

Estou nua fase da minha vida em que sinto necessidade de escrever e expressar aquilo que penso e aquilo que sinto, sobre os mais díspares assuntos, e é isso que vou deixar neste espaço, se alguém vai achar interessante e procurar seguir, logo se verá.

Um beijo para o vazio...