sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Amo-te Lisbeth Salander

Apaixonei-me por Lisbeth Salander e não sei o que fazer.

Recordo a primeira vez que te vi, jovem, franzina, rebelde, fria, distante, simplesmente dura.

Tudo visual gritando “afastem-se de mim!”,  mas já nessa altura descobri algo que brilhava no teu olhar, e, clamava por calor humano, e logo aí, nasceu em mim uma vontade incontornavel de te conhecer, de saber mais sobre ti.

Foi preciso estômago para aguentar o primeiro impacto e a vontade de virar costas e dar o fora, mas, aos poucos fui-te conhecendo.

Fiquei a saber da tua vida sofrida, de como foste privada de uma infância normal, como nunca tiveste um amparo, um colo, um ombro amigo, como apesar de uma vida cheia de revezes foste sempre capaz de dar a volta por cima.

Foram semanas de convívio quase diário, semanas em que pouco a pouco fui desvendando os teus segredos mais íntimos, que pouco a pouco fui descobrindo a tua fúria de viver, a teu desapego pelas convenções e pelas amarras com que a sociedade nos prende.

Nunca conheci ninguém com uma liberdade tão completa, recusa todos e quaisquer rótulos e age de acordo com a sua própria moral e convicção. És a pessoa mais real que alguma vez encontrei.

Agora que fecho a última página do livro que te trouxe a mim fico sem saber o que fazer, perdido na mágoa de perder os nossos encontros quase diários, de perder a descoberta de ti, e consequentemente a descoberta de mim em ti.

Quem me dera ser um pouco como tu, ter a clareza da vista desimpedida e abraçar a vida com a tua paixão.

Mal posso esperar pelo teu regresso no segundo livro da trilogia Millennium de Stieg Larsson em “A Rapariga que Sonhava com Uma Lata de Gasolina e um fósforo”

Um beijo para o vazio ...

domingo, 12 de setembro de 2010

Chuteiras Amarelas

A palavra fobia significa um medo irracional (“do Grego φόβος "medo" , em linguagem comum, é o temor ou aversão exagerada ante situações, objectos, animais ou lugares”, in wikipedia.com).

O primeiro sinal de Homofobia Enrustida que tenho memória veio do lugar mais inesperado e apanhou-me de surpresa.

Vi, o pai de uma criança de 9 ou 10 anos a entrar completamente em pânico porque o filho acabava de comprar uma chuteiras amarelas. A reacção foi completamente disparatada, o miúdo escolhera as chuteiras porque o seu ídolo (Fabrizio Miccoli), na altura a jogar no Benfica usava uma chuteiras amarelas.

O argumento era que o miúdo seria motivo de chacota na escola se lá aparece-se com uma chuteiras daquela cor, e, para salvar a dignidade da criança, esta foi obrigada a ir à loja trocar as chuteiras.

Quando saí do armário, esta foi uma das pessoas que me deu o seu apoio e a sua compreensão, o que me terá dado na altura uma sensação de conforto e segurança.

Todo apoio acabou no momento em que a pessoa viu-se confrontado com imagens na internet minhas e do meu parceiro, para ser sincero, é preciso muita atenção para encontrar afectividade nestas imagens, que para quem não esteja no contexto bem poderiam ser imagens de dois amigos em férias (ex. imagem seguinte).

A reacção foi, à semelhança da primeira extemporânea e irracional. Um medo irracional desencadeado por imagens de homo-afectividade, um medo irracional que o filho seja exposto a estas imagens e que isto possa influenciar o seu crescimento, um medo irracional que desencadeou um discurso e uma postura irracional, ao ponto desta pessoa se dispor a testemunhar contra mim em tribunal para salvar a minha filha da exposição a esta ignominia.

O mais engraçado e o discurso que não é por ele, ele não tem qualquer problema, mas que é pelas outras pessoas, que a sociedade é homofóbica e que não vai ver com bons olhos as fotos.

Mas a formação humanista, as suas referências sociais impedem esta pessoa de assumir esta sua discriminação abertamente pelo que não consegue sequer aperceber-se da sua homofobia, é fácil traçar um paralelo com a pessoa que diz “Eu não sou racista mas não quero que a minha filha namore com pretos.”, neste caso “Não tenho nada contra gays desde que estes fiquem no armário.”.

Esta é uma forma de discriminação complicada de combater, este “Homofóbico de armário” não consegue sequer admitir o seu preconceito pelo que não o vai conseguir ultrapassar.

Lembro que a homossexualidade não é uma doença, a homofobia, essa sim é considerada doença do foro psicológico, e a capacidade de a superar um sinal de saúde mental.

Um beijo para o vazio ...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Família, muito, pouco ou nada (Revisto)

Por ser demasiado pessoal e emotivo este Post está um pouco difícil de sair. Não sei se será apenas na minha família, mas há assuntos que são vividos com uma tal emotividade que, aos poucos vão rompendo os laços afectivos até que se perdem irreparavelmente. Parece-me a mim disto acontece porque os problemas não são encarados com frontalidade.

É engraçada a diferença de abordagens na resolução de problemas, numa família tradicional moçambicana, e numa família “ocidentalizada”. Numa família tradicional moçambicana os problemas raramente chegam a situações de ruptura, a falta de respeito continuada, as humilhações constantes a um familiar mais velho, por exemplo, teriam sido resolvidas atempadamente com uma sova de um familiar mais próximo, ou com a reunião de um conselho familiar alargado.

Eu não sou apologista da violência, e nem da humilhação pública, prezo o meu meio familiar directo e espero que os problemas se resolvam por lá mesmo, mas, por muito brutal que possa parecer, admiro a frontalidade destes métodos de resolução de conflitos e parecem-me muito melhores do que este “civismo”, ocidentalizado, cheio de desculpas nos “traumas” e nas vicissitudes da vida, que servem para justificar qualquer comportamento. Entra-se num ciclo de cinismo, hipocrisia e falatório pelas costas que vai prolongando um longo e gradual sofrimento.

Mas, a construção do conceito de família, é algo interessante e que vive um momento particularmente dinâmico, as sociedades tendem a tornar-se mais individualistas e as famílias a centrarem-se mais e mais no nuclear (pai, mãe e filhos se existirem), mas mesmo este modelo tem necessariamente de ser contestado, há casais gays (como o meu), casais lésbicos, casais heterossexuais que não querem ou não podem ter filhos. Os avós, os primos, sobrinhos, tios, ficam cada vez mais afastados do conceito central de família, em muitos casos acabamos sentindo-nos mais próximos de amigos que da própria família.

Eu mais e mais me convenço que as pessoas valem pelo que são, e, que o facto de partilharmos um vinculo de sangue não nos obriga a usar uma venda quando analisamos o carácter e o comportamento dos outros.

No meu caso os meus amigos tem sido a minha família alargada e a eles devo muito respeito e consideração.

Um beijo para o vazio ...

Fidel ... em contrição

Quer se goste ou não, é inegável a influencia que Fidel Castro teve no moldar da dinâmica geo-politica dos nossos dias.

Para uns é tido como um herói revolucionário que instituiu o sistema com a distribuição de riqueza mais igualitária de sempre. A sua política de saúde e educação para todos é um caso de estudo e um exemplo, que , quer-me parecer terá inspirado o Obama na sua reforma da saúde nos EUA.

Para outros é um déspota, um ditador, que lançou a miséria sobre o seu povo, alguém que soube jogar baixo para ganhar o poder e uma vez conseguido fez de tudo para lá se manter.

A verdade, como em tudo, deverá estar algures no meio, é inegável, no meu ver, que há muito a sua política do orgulhosamente só, e muita teimosia, tem feito mais mal que bem ao seu povo, e tem desgastado muito a sua imagem, mesmo junto do mais revolucionário de nós.

Há um ano atrás era para todos um dado adquirido que Fidel já teria ido desta para “melhor” ou “pior” (não acredito que haja um católico que lhe conceda um lugar no céu), eis que “el Comandante” surge regressado ao reino dos vivos.

Tendo ganho a sua batalha mais recente pela vida, e conseguido mais uns anos entre nós, não creio que muitos, Fidel resolveu abdicar da sua postura dura e inflexível e fazer contrição de alguns dos seus actos.

Esta manha ouvi no noticiário a seguinte e inesperada declaração de Fidel:

"O modelo cubano não nos serve nem para nós", disse o ex-presidente de Cuba, em entrevista à revista americana "The Atlantic".

A primeira declaração de contrição foi feita a semana passada sobre a perseguição de que foram alvo os homossexuais no período pós revolução.

“Soy el responsable de la persecución a homosexuales que hubo en Cuba”

Mesmo assim com aquela ressalva hipócrita de que foram perseguidos mas ele não tem preconceito, estava era muito ocupado com coisas mais importantes, onde já ouvi esta conversa...

"Sim, foram momentos de grande injustiça, uma grande injustiça! Fomos nós que fizemos, fomos nós... Estou tentando diminuir minha responsabilidade em tudo isso, porque, pessoalmente, eu não tenho esse tipo de preconceito"

Mesmo assim é muito relevante que uma figura deste gabarito tenha achado necessidade de se desculpar à comunidade Gay e Lésbica.

Ainda vamos ouvir a Igreja Católica fazer declarações semelhantes, afina “as madres” só em 1983, mais de 300 anos após a sua morte, reconheceram que se enganaram em condenar Galileu como herege por ter defendido que a terra não era o centro do universo, temos de lhes dar tempo elas são um pouco lerdas.

Um beijo para o vazio ...

domingo, 5 de setembro de 2010

Contra-informação

Na última sexta e no sábado recebi no meu telemóvel 3 mensagens que fazem de certeza parte de uma campanha de “contra-informação” do governo.

As mensagens:

Caros, Nada melhor do que a calma e tranquilidade publica para avançarmos e realizarmos as nossas actividades. Viva a paz e tranquilidade. Passe a palavra.” Às 14:10 do dia 03-09 do número 820655644

Tudo que o pais precisa eh licao de civismo e espírito patriótico. Não queremos greve. Queremos trabalhar e levar o pão as nossas famílias. Passa a palavra.” Às 14:10 do dia 03-09 do número 820655646

Moçambique siga em frente. Forcas contrarias ao trabalho e progresso não empidirao nunca que continuemos firmes rumo ao desenvolvimento. Passe a palavra.” Às 22:26 do dia 03-09 do número 82065564

Moçambique, Mambas sigam em frente. Vamos chutar para fora a violência e o vandalismo. Precisamos de união para vencer este jogo” Às 18:50 do dia 04-09 do número 82488676

As mensagens foram enviadas por números que não faziam parte dos meus contactos, números diferentes, mas muito parecidos, que variavam apenas na terminação, mais estranho é que alguns dos números usados eram incompletos uma vez que tinham um dígito a menos.

A própria formatação da mensagem é muito semelhante e o conteúdo a apelar à calma e ao trabalho.

Já sabemos que a posição oficial é que os moçambicanos são preguiçosos e sem iniciativa e por isso é que são pobres, mas não é disso que quero falar aqui.

Este método de operar remete-me para as campanhas usadas na segunda guerra mundial, onde aviões espalhavam panfletos sobre as zonas inimigas passando as suas mensagens e a sua ideologia, na tentativa de recolher simpatias. Tácticas semelhantes foram usadas largamente na guerra do Iraque.

Aqui não é muito diferente, nós somos o inimigo do governo, ele procura furar as trincheiras com mensagens, mas aqui de uma forma simulada fazendo-se se passar por cidadão, inventando a existência de uma corrente de cidadãos que se opõe à greve.

Mais grave é que de novo o governo não olha a meios para invadir o espaço privado de todos nós. Eu não dei a minha permissão para que o meu número de celular, provado, fosse usado para este fim e gostava de ver perguntas respondidas nesse sentido.

Há uma óbvia conivência da minha operadora nesta situação, a operadora (mCel) é uma empresa pública mas será que isso lhe dá alguma legitimidade para fazer o trabalho sujo do governo? Se é esta a postura da operadora, parece-me que esteja na hora de mudar.

Num país com uma democracia mais madura toda estas “borradas” do governo e dos seus tentáculos não sairiam impunes, haveria consequências políticas e cabeças haveriam de rolar.

Um beijo para o vazio …

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Canudo o quanto vales ...

"Vês? este é o pauzinho de amolgar consciências"
(pelo menos era assim a tradução que me lembro)
Maputo acorda calma a recompor-se dos tumultos dos últimos dois dias.

Muito já se escreveu e muito ainda se vai escrever sobre o 1 de Setembro, há muitas lições a tirar, foi destapado o véu que encobria os problemas sociais numa imagem de desenvolvimento e tranquilidade.

Parece-me que a quem era mais importante aprender alguma coisa com o sucedido vive num estado de arrogância e convencimento que lhe torna impossível mudar, mais, está rodeado de um bando de inúteis, cujo papel é simplesmente anuir e aplaudir as ideias do seu “Líder Supremo”, “Pais da Nação” ou “Tio Patinhas” como começa a ser apelidado pelo povo.

Não me vou centrar na análise política, nem nas consequências sociais do problema, há excelentes análises feitas nos jornais e blogs de quem realmente percebe da matéria, mas achei um aspecto muito primário, aqui, um tanto ao quanto hiperbolado e simplista.

Durante dois dias a cidade de cimento viveu sitiada, não havia transportes e vivemos uma separação física entre duas classes sociais cujo fosso terá sido acima de qualquer outro motivo a razão de toda confusão.

Na cidade ficou a nossa “Nova Burguesia”, ficaram os Doutores, ficaram os engenheiros, os políticos, os programadores, os consultores, os coordenadores, os directores, juristas, economistas e outros -istas e -ores iguais. Com os seus méritos e laudos, mestrados e doutoramentos, com suas análises, pontos de vista, com seus salários gordos, com seus automóveis, a ver os acontecimentos sentados nas suas poltronas e nos seus LCD monstruosos.

Na periferia ficaram os padeiros, os cozinheiros, os empregados domésticos, os guardas, os estivadores, as vendedoras do bazar, os varredores de rua, os carpinteiros, os electricistas, os pedreiros, a classe social que vive com o salário mínimo e a quem vai realmente fazer diferença os 2,5 MT de aumento do pão, e o aumento da electricidade, água, arroz, etc.

A verdade é que a ausência destes últimos fez parar a cidade, afinal quem produz alguma coisa real , palpável está neste grupo. Qual a importância real de 20 linhas de código, de um relatório bem escrito, de uma lei bem redigida se não houver quem efectivamente produza alguma coisa real e que faça com que o dia a dia possa acontecer com naturalidade.

Se tivéssemos prolongado um pouco mais este cerco teríamos uma cidade cheia de Doutores famintos e sujos incapazes de tomar conta de si próprios. Não seria esta razão suficiente para percebermos que o fosso entre estas duas classes não pode ser tão grande assim, para entendermos que, se é inevitável o aumento do custo de vida, então este deve ser assumido pelos primeiros e desta forma ser feita alguma justiça social.

A revolta teve mérito, só foi mal conduzida, não vamos esperar pela próxima para resolver este problema.

Um beijo para o vazio ...