segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Oito

Conduzia o meu carro diligentemente pela 24 de Julho e pensava para comigo: “Hoje vai ser um dia mesmo bom”.

Tudo assim indicava, começando pela data 08-09-2016. Não só por ser o meu aniversário mas porque esperava por este dia já há 9 anos. Passo a explicar:
 Aos poucos fui-me apercebendo que o destino falava comigo por números e nenhum tinha mais encanto que o número do dia do meu nascimento que tinha marcado para sempre a minha sorte, o número oito.

Este número foi-se manifestando nos momentos mais importantes para mim, mas, mais que isso, foi marcando a minha sorte no dia a dia. Pode parecer meio doentio mas vamos às evidencias.
  1. Minha filha nasceu a 02.02.2002, ora  0 + 2 + 0 + 2 + 2 + 0 + 0 + 2 = 8;
  2. Conheci o meu parceiro a 02.01.05, ora 0 + 2 + 0 + 1 + 0 + 5 = 8; 
  3. Comecei no meu emprego actual a 23.12, ora 2 + 3 + 1 + 2 = 8.
Fui percebendo aos poucos que quanto mais dígitos de um evento usava para chegar ao fatídico número oito, mais profundo e relevante este evento se mostrava. Nos 3 casos atrás o nascimento da minha filha marcava o oito na plenitude da sua dimensão com 8 dígitos a somarem o 8, no terceiro caso chegava ao 8 apenas com a soma de 4 dígitos, do dia e mês.

Enquanto me perdia nestes pensamentos, reparei na matricula do carro que me precedia parado do semáforo da Av. 24 de Julho com a Vladimir Lenine, um Kia Picanto vermelho, ACK 035 MP, ora 0 + 3 + 5 = 8. Esboço um sorriso por sentir mais esta nota do destino em como o dia seria mesmo importante.

Mas descobri mais regras nesta minha “loucura”, por exemplo o número nove (9) podia muitas vezes ser descartado das contas, funcionava como uma espécie de elemento neutro. Por exemplo, a matricula do meu pequeno Nissan Verissa cinzento era MMJ 980 MP, neste caso a lógica aplicar-se-ia em duas partes ( 9 + 8 ) + 0, na primeira parte  9 + 8 = 17 ou seja,  1 + 7 = 8, e dai poderia ignorar o 9 ficando apenas com 8 + 0 = 8.

Assim foi com o meu nascimento (08 + 09 + 1971) = 8 + 9 + (9) = 8 - um dia auspicioso e que se repetia a periodicamente na mesma forma -  (08 + 09 + 1980), (08 + 09 + 1989), (08 + 09 + 2007). Foi neste último que me apercebi do sentido de oportunidade que o destino me reservava para este dia. 
Por ironia só me apercebi tarde de mais quando, ignorando todos sinais, não comprei o bilhete de lotaria que esteve na minha mão. Eram 08 horas e 08 minutos quando devolvi a calota (00990008) ao vendedor e, mal ele se afastou, percebi o erro da minha acção. Foram precisos 8 dias para confirmar na edição 908 do jornal notícias que o número vencedor da lotaria especial com um premio de 8 milhões de Meticais saíra à calota que esteve nas minhas mãos.

Nesse dia tudo ficou mais claro e percebi como funcionava o intricado emaranhado que o destino colocara para o meu caminho, percebi que tudo em minha volta girava à volta deste bem afortunado número. Percebi ainda que tinha de aguardar pacientemente mais 9 anos pelo dia de hoje para ter a minha próxima oportunidade.

Entretanto estacionava já o carro em frente ao meu destino, o número 44 da Vladimir Lenine, (4 + 4=8) um prédio novo como estes que parecem crescer como cogumelos pela cidade de maputo. O meu encontro estava marcado para as 08:00 no nono andar (9 elemento neutro não se esqueçam), na sala número 7. 

- Sala Sete? – Perguntara eu à telefonista, - tem certeza que é sala sete mesmo, não será sala oito? - pedi e insisti que ela relesse os seus papeis; alguma coisa tinha de estar mal. Mas não. Ela insistiu que o Director Cumbana marcara o encontro na sala número sete e que não tinha mais informações sobre o motivo do encontro e que não, não podia alterar a sala.

Neste momento olhava o carro estacionado em frente ao espaço que vagou como que por magia mesmo em frente ao edifício e la estava a matricula ACJ 223 MP. Sete de novo? Larguei um audível desalento tão murmurado que não eu próprio percebi o que dissera. 

Daí para a frente foi só a piorar. O guarda do prédio ostentava distintamente uma camisa com um esbatido "Channel Nr 7"  no peito. De novo resmunguei enquanto me anunciei e me dirigi ao elevador.
Ao entrar no elevador estavam seis pessoas perfiladas já dentro, comigo éramos 7. Olhei para o painel dos botões do elevador desesperadamente em busca de um número 8 que me pudesse acalmar. Pisei o botão com determinação mas este se recusou em acender. Voltei a pressionar e nada.

  • Caro Senhor, o elevador não para no oitavo, está avariado. Só pode sair no sétimo. - disse uma das almas que de tão baralhado já não conseguia distinguir.
  • Obrigado prefiro sair no nono. - Afirmei já em desespero.
  • Também não funciona - disseram as seis vozes em coro e em uníssono. Só funciona o sétimo.

Meu coração disparou a-ritmado em pulsações galopantes. Já começara a transpirar. Pensei em sair e subir a pé mas não me sobrava tempo, não me restava opção.

Durante a aparente interminável subida, subia também a minha tensão, o meu calor, a minha respiração tornara-se ofegante. Sentia-me sem forças quase a desmaiar.

Lá chegamos ao sétimo andar, depois de atropelado pela pressa dos indistintos companheiros de viagem, arrastei-me escada acima. Tentei concentrar-me a contar os degraus. Eram lances de 7 degraus cada. Cheguei ao oitavo andar aguardando que este estivesse anunciado por um grande 8 na parece, mas o lugar do número encontrava-se vazio.

Depois de mais uma penosa caminhada pelo corredor lá dei de caras com o a sala número 7. Gloriosamente anunciada por um reluzente e dourado número.
Minhas mãos tremiam enquanto aproximava a mão da maçaneta. Sentia o coração fora do peito. Estava todo eu molhado em suor. De repente senti-me cair e tudo escureceu.

  • “Que lástima!” comentava o Dr. Cumbana para a sua assistente. “Morreu assim, de um momento para o outro. Ataque cardíaco. Mesmo à porta de receber Oito milhões de dólares de herança.”.
Enquanto se afastavam do edifício, dois maqueiros colocavam o corpo na ambulância com a matrícula AMD 800 MP.


Um beijo para o vazio …

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Zeca o irresistível

Nasci assim meio estranho sem saber que o era. Chamaram-me de Zeca, mas fui marcado de muitos outros nomes que pouco diziam de mim, mais falavam daquilo que os outros achavam do que daquilo que eu era e sentia. Não tenho nome para mim até porque nunca me achei mais diferente do que a diferença que todos temos uns dos outros.

Tinha um dom, ou uma maldição, não sei bem, melhor dizer que tinha uma habilidade, era irresistível. Não se trata de uma vaidade não, até porque não era particularmente bonito, nem sensual, era simplesmente irresistível. Um dom estranho e diria sobrenatural pois bastava cruzar os olhos com alguém “interessante"e zás, estava preso por uma teia invisível e destinado a cortejar e insistir até que eu consuma inteiramente a sua alma e realizasse os desejos que este nem mesmo conhecia.

Diria que os meus olhos eram a própria seta do cupido, e quando disparavam, não importava género, idade, raça, religião, o fim seria sempre o mesmo.

Recordo vivamente a primeira vez que se manifestara o meu super-poder, tinha vindo a Maputo para prestar exames na UEM e me alojara em casa de um tio, irmão mais novo do meu pai. O meu tio era um jovem formado e casado de fresco com Helena uma mulher deslumbrante que meus olhos temiam em fitar. Mas não foi Helena não a primeira vitima.

Certo dia, depois de mais uma longa noite de estudo despertei anormalmente tarde e, como habitual desloquei-me ao banheiro para a minha higiene matinal, não estanhando a porta fechada, que pela hora me achava sozinho, irrompi banheiro a dentro sem noção que este estaria ocupado. Dei de caras, ou antes de corpo com o meu tio completamente nu saindo do chuveiro. 

O corpo escultural e sarado, molhado, a sua pujança escancarada despertou a minha habilidade e quando meus olhos se uniram aos seus o destino de primeira vitima estava marcado.

Quando me apercebi do que se passará fechei imediatamente a porta e fugi para o quarto não ainda consciente daquilo que despertara.

Nem cinco minutos passaram e a primeira vitima bateu de leve à minha porta e com um tom de voz de uma suavidade que nunca ouvira perguntou. - Está tudo bem meu sobrinho?

Fiquei gelado, em pânico, as palavras não me saiam da boca. - "Posso entrar querido?" 

“Querido”, como assim, nunca antes ouvira tal palavra. Apressei-me a trancar a porta e repliquei. - Tio não me sinto bem, acho que estou com febres, vou ficar a descansar mais um pouco.

Nesse primeiro dia a desculpa funcionou. E os dias seguintes passei trancado no quarto tentando deixar o fogo que ateara amainar. Mas a cada dia, do outro lado da porta, os apelos, as suplicas cresciam. De pequenas insinuações transformaram-se em grandes e laudas declarações. Eu fechado em silencio sem saber bem o que fazer.

As suplicas iniciavam assim que Helena saía para o serviço e duravam um tempo indeterminado mas crescente. Por outro lado minha tia se preocupava e reclamava com meu pai que eu estaria deprimido e que passava os dias no quarto, nem para comer saia. Já nem as desculpas de que estudava pareciam tranquiliza-la.

Num infame dia dos heróis moçambicanos tudo de desfechou, incauto abandonei meu cárcere sem saber que era feriado. Minha tia tinha saído, e ao entrar no corredor la estava ele feito um caçador dissimulado na mata aguardando a sua presa. Assim que os olhos se voltaram a cruzar foi como se o mundo em volta sumisse, e uma força magnética incontrolável puxasse os dois corpos para um turbilhão de sensações e de paixões.

A confirmação deste meu super-poder veio pouco depois. Ainda imbuídos no leito em plena paixão e a porta do quarto se abre revelando a figura igualmente deslumbrante de minha tia. Vinha da sua corrida com roupas de lycra que deixavam realçado a sua figura perfeita, de curvas que tinham de ser desenhadas a compasso.

De uma surpresa inicial meus olhos, depois de absorverem a sua figura em luxuria, encontraram seus olhos e viram estes transformarem-se de olhares irados em olhares de desejo quase instantaneamente.

O que se seguiu é indescritível, uma amalgama dos 3 corpos fundidos num ser único e insaciável, liberto de pudores e de tabus em delírio de prazer.

Foi assim a minha introdução ao mundo dos adultos, estabelecendo uma fasquia bem alta. Percebi de seguida o lado negro do meu poder. Consumado o desejo o alvo deste passava do amor profundo à rejeição, como que  envergonhado por se desvendarem desejos que desconhecera.


Nem meia hora passara e estava eu de mochila às costas na rua, proscrito e procurando a próxima vitima.


Um beijo para o vazio ...