quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

O Caril de caranguejo da Dona Olga (Parte 1)

Algumas das memórias mais antigas que tenho estão relacionadas com as Domingadas em casa dos meus pais. O Domingo era um dia de festa, de agitação, uma roda de amigos à volta de uma mesa de pedra excessivamente alta, e, sempre em volta do Caril de caranguejo da minha mãe.

O caril da Dona Olga era em si um fenómeno, uma mescla de culturas, na sua panela eram fundidos sabores antagónicos num prato verdadeiramente universal. Ao nosso caranguejo eram adicionadas especiarias orientais e enchidos lusitanos. O resultado era algo que para mim era e é um sabor moçambicano autentico.

Felizmente a receita não se perdeu, antes de se despedir deste mundo a minha mãe passou a receita para a geração seguinte, na pessoa dos seus genros.

Este Domingo fizemos uma Carilada em casa com alguns amigos e fez-me nostálgico inspirando a misturada de memórias antigas, conversas e fantasia que se segue.

Um beijo para o vazio …


O Caril de caranguejo da Dona Olga (Parte 1)

“Dona Efigénia! como está a encher o saco com esses pequenos? Assim não compro mais consigo.” - bramava a Dona Olga para a sua vendedeira de caranguejo predileta do mercado do peixe.

Tudo o jogo habitual em que uma e outra faziam como se fosse a primeira vez. Era o refilar com o preço, fazer de conta que ia procurar outra vendedeira, a areia no fundo do saco a fazer mais peso, a balança mafiada, enfim, um jogo rotineiro a que as duas se davam o gosto de fazer, e que no fim resultava sempre no mesmo.

Uma e outra saiam que nem gladiadoras triunfantes na arena do mercado do peixe.

Este era o inicio do longo processo do caril de caranguejo da Dona Olga, e tinha lugar no quase eterno mercado do peixe, mesmo em frente ao Clube Marítimo, na marginal de Maputo.

Junto do essencial caranguejo vinha sempre mais alguma coisa, um quilito de lulas, garoupa, camarão, amêijoa, tudo após uma gladeio similar ao da Dona Efigénia e a mesma sensação vitoriosa.

Tudo era atafulhado no cesto de palha descomunal e carregado pelo xipfanhana ajudante também habitual. Depois de dispor de umas moedas ao miúdo, inquirir-se da escola e das aulas e de uma palavra de encorajamento e sermão, o cesto era depositado no porta bagagens do fiável Colt Galant amarelo torrado e lá ia a Dona Olga de regresso a casa para iniciar a fase seguinte do preparo.

Arrumado o carro na garagem aberta do número 79 da Fernão Lopes vinha o habitual berro pelo Xavier. “Vamos a despachar já não temos muito tempo. Prepara esse caranguejo enquanto vou adiantando o resto. Aproveita para escamar o peixe e limpar as lulas.”.

Na sua cozinha o Xavier já tinha deixado tudo pronto para a sinfonia da sua patroa. O chouriço de carne cortado às rodelas, o entrecosto arranjado em cubos, a cebola picada, as caixas dos temperos alinhadas em redor do almofariz, e o panelão assente no fogão.

Com a precisão de um alquimista a Dona Olga fazia a sua mistura de temperos, o pó de caril, pimenta, e, outros tantos, numa combinação para a qual mantinha o maior secretismo. Tudo calculado proporcionalmente de acordo com a audiência do dia.

Hoje, o Sr Jorge convidara colegas do Ministério. O Dr. Alrindo, secretário do ministro que traria a esposa, e o novato técnico de contas o Manuel. Para além destes fariam-se presentes alguns dos habitués, amigos chegados, primos, vizinhos num total de 13. Como a Dona Olga nunca permitia que tal número de sentasse à sua mesa, não fosse dar o mesmo azar que certa malfadada ceia, lá empurrou muito a desgosto a Dona Carminda, uma vizinha com problemas de conter a língua.

O cheiro da mistura de temperos com a carne e com o caranguejo foi inundando a casa. A mesa estava posta, os pratos em pilha no centro, os talheres desmarnados cuidadosamente desarrumados numa pilha, copos, guardanapos e as bases para o panelão esperando por este.

O Sr Jorge como era habito se encarregara das bebidas, do gelo, dos colemans. Usava das suas artimanhas habituais, enchia a garrafa de Chivas de 18 anos com whisky corrente, não  tanto para impressionar os convidados mas sim para expor a sua presunção de expertise. Calculara meticulosamente a quantidade de vinho e de cerveja com base no seu registo mental dos hábitos dos convidados e com um mestria estatística só ao alcance dum economista do seu gabarito.

(continua …)