sábado, 30 de abril de 2016

Helena

Caminhava sem destino percorrendo a marginal da minha cidade. Fitava intensivamente os olhos de cada pessoa com que me cruzava.
No breve instante em que se tocavam os olhares mergulhava na sua alma e procurava algo. Procurava uma evidencia de humanidade. Procurava uma resposta sem saber qual era a pergunta.
Invariavelmente sentia-me eu próprio invadido e escrutinado. Sentia que revelava muito mais do que descobria. Revelava coisas que eu próprio desconhecia.
A incapacidade de esconder a minha essência ardia em meu ser numa agonia incontrolável, e, invariavelmente desviava o olhar em busca de alivio. Mas como um drogado em busca da próxima dose procurava imediatamente o proximo olhar.
No meio desta luta insana com a minha falta de razão descobri Helena. No seu olhar li tudo, naquele instante revelei nada. Senti uma pureza divida, um humanismo para lá da própria humanidade, dancei com o destino, morri e renasci.
Desta vez não consegui desviar o olhar, este, como que magnetizado, ficou preso no olhar dela, e o olhar dela preso estava no meu olhar.
Estendi a mão e esbocei um sorriso tímido. Todos gestos medidos e lentos com medo que o  vinculo, que me parecia ter tanto de forte como de efêmero, se quebrasse.
- “Helena” disse ela com uma voz transbordando em ternura.
Parecia um sonho. Talvez fosse mesmo um sonho, mas nesse caso preferia não despertar. Preferia ficar ali e agarrar-me àquele momento até que meu corpo não resistisse mais, e, definhasse sem acordar.
Tentei responder, mas do meu próprio nome não me recordava. Procurava na memória, sem nunca desviar o olhar, e não me conseguia lembrar. A minha resposta tardava e quanto mais demorava mais percebia que o momento chegava ao fim. Não tinha palavras, a minha boca permanecia fechada. O desespero tomava conta de mim.
Na minha incapacidade algo estranho acontecia a Helena. Ela desvanecia. Esbatia-se. O seu olhar passou da serenidade para o desespero. O seu desespero se juntava ao meu, incapaz de parar o que se passava em frente a mim.
E assim deixou de ser, e, com o seu desaparecer, também eu desapareci. Também eu deixei de ser. Fiquei vazio.
Relutante e pesaroso retomei o meu caminho. Olhando no chão. Sem coragem de vasculhar mais almas, na certeza que nada mais restava em mim.

Um beijo para o vazio